Tempos estranhos


Vivemos tempos estranhos. Tempos de trabalho remoto para alguns, de escola em casa, de aulas da universidade por videochamada, de trabalhar de máscara e luvas e desinfetante por perto para quem está na linha da frente, seja em hospitais e centros de saúde, seja em farmácias ou supermercados. Estamos todos numa anormalidade absurda que a cada dia que se risca do calendário se vai tornando cada vez mais normal. 
É estranho este sentir que as paredes que sempre nos sustentaram no nosso descanso e recolhimento são as mesmas que nos circundam diariamente, 24 horas por dia, todos os dias. E são as mesmas que parecem encolher a cada instante que avança. Sei que muitos se sentem cada vez mais claustrofóbicos nas paredes da sua casa, alguns nem têm varanda para sentir o ar no corpo e o sol na cabeça. Sei também que tantos outros vêm nas quatro paredes da sua casa um prolongamento de si mesmos e que isso não os está a definir nestes tempos e que quase lhes dá asas para voarem pelo mundo inteiro sem sair do seu quarto. 
É tudo uma questão de perspetiva e mentalidade, uma questão da forma de ver as coisas e de reagir em tempos de crise. Não há ninguém melhor que ninguém, nunca. E muitos menos nos tempos que correm. 
Não há o certo ou o errado, se queres chorar, chora; se queres rir, ri; se queres escrever, escreve; ou dorme, ou lê, ou bebe um copo, come um gelado, cozinha, faz cursos online, ou reza, se para ti isso fizer sentido. A mim faz e nestes tempos estranhos parece que passo o dia a rezar, a rezar para que o mundo melhor, para que os governantes continuem a fazer o melhor que podem e que tenham o discernimento de agir pelo bem comum, para que as famílias estejam bem, para que os meus amigos estejam bem, a minha família esteja bem, pelas crianças, pelos idosos, pelos profissionais de saúde. Rezo pela minha sanidade mental, para ter alento para os trabalhos que não param, as tarefas do doutoramento ou da empresa, para os projetos que assumi, para não desanimar e continuar a dar passos todos os dias, mesmo que às vezes sejam de bebé. Não faz mal. O que importa é caminhar. Rezo porque me dá força. Rezo porque me dá vida. 
Mas há quem não reze, quem não acredite. E está tudo bem também. O respeito pelas vontades, interesses e crenças uns dos outros é essencial para a sanidade e sobrevivência da humanidade, e nos tempos que correm ainda mais. 




Vivemos tempos estranhos. Em que o mais perto que estás das pessoas de quem gostas é numa videochamada no Skype, zoom, webex, whatsapp, facebook Messenger ou qualquer outra solução que ganhou nome nos últimos tempos. A chuva diária de mensagens e partilhas aumentou e muito e as parvoíces que sempre circularam na internet ganharam uma vida nova. 
Vivemos tempos estranhos. Tempos de adaptação. É interessante no meio disto tudo ver a agilidade do ser humano e a sua capacidade de adaptação. As empresas reinventam-se, as lojas também, as escolas e universidades tentam fazer-se presentes nas casas de cada estudante. Os ginásios e escolas de desportos vários reinventam-se. Tornou-se normal fazer desporto a seguir uma aula pelo computador ou pelo telemóvel. Os artistas reinventaram-se, há concertos, magia, comédia, teatro e mais um par de botas, tudo a acontecer nas redes. Os diretos no facebook ou instagram ganharam uma dimensão tão grande que era preciso um dia com mais horas para conseguir estar em todos. E com isto não me queixo. Alimento-me daquilo que quero e consigo chegar, perco alguns diretos, mas há espaço para todos. Tem havido espaço para todos. E estou sempre no direto da vida. Esse nunca para, não sofre cortes de comunicação e nem sempre recebe comentários. Mas está cá e está a acontecer. 
Vivemos tempos estranhos. Vejo com tudo isto uma proximidade maior das pessoas, por incrível que isso possa parecer. Entramos no íntimo de cada um a cada instante que ligamos a camara, seja para uma reunião de trabalho, uma oração ou um convívio de amigos. Entramos no íntimo dos PT’s dos ginásios, que dão as aulas nas suas salas onde às vezes passa um cão, um gato ou um filho no meio da aula. Entramos na casa dos artistas que tanto acompanhamos, vemos as suas estantes cheias de livros eruditos ou os seus quadros nas paredes ou um fundo tão normal como a sua cama. E é tão bom! Perdemos a ideia de que há níveis ou patamares, vemos como as suas casas são no fundo um pouco como as nossas, de pessoas. Vemos as suas vidas a acontecer tão estranhas como as nossas nestes tempos. Estamos todos no mesmo barco, disse o Papa Francisco na passada sexta-feira. E é que estamos mesmo! 
Vivemos tempos estranhos. Tempos de incerteza, dúvida, medo, angústia, adaptação e alguma criatividade e loucura à mistura. Não podemos fugir do direto da vida e desta pandemia que nos resolveu invadir a normalidade sem ser convidada. Chegou e instalou-se. Está nas nossas mãos viver estes tempos, em casa para os que podem, com muitos cuidados para os que estão na linha da frente. 
Vivemos tempos estranhos, não tenhamos dúvidas disso. Mas vivemos tempos de união, de amor e de comunidade. Que nunca esqueçamos que não estamos sozinhos. Estamos juntos, no mesmo barco. Estamos juntos. 

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